Eleições 2018: como entramos nessa roubada?

Dimas T. de Lorena Filho
5 min readOct 15, 2018

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Ansiedade, medo, desilusão, revolta. Esses são apenas alguns dos sintomas disparados na maioria da população LGBTQ+ pelas eleições presidenciais em curso no Brasil. Compartilhados por diversos outros grupos minorizados e setores da sociedade, esses sentimentos têm causado uma quase paralisia em muita gente que, há poucos dias, trabalhava das mais diversas formas por um mundo melhor e mais inclusivo. Afinal, o resultado iminente é uma ameaça óbvia a diversos anos de avanço social, incluindo aí direitos conquistados e liberdades individuais.

Mas como acabamos nessa roubada? Mais do que nunca, este parece ser um momento para a autocrítica construtiva, permitindo que entendamos melhor nosso caminho até aqui, o que estamos vivendo agora e o mais importante: o que faremos disso no futuro. Como pessoa que acredita e trabalha pela inclusão e igualdade de direitos de LGBTQ+, me parece que três grandes erros são os pilares nos quais está sustentado o maior desafio que enfrentamos em muito tempo:

  1. Não praticamos o ostracismo: a palavra ostracismo vem de ostra. Designa uma situação tão alienada de tudo e de todos que acaba esquecida, inacessível, como dentro de uma ostra fechada. Aquilo que acreditamos ser nocivo, portanto, deveria ser ostracizado e, como consequência, esquecido. Não temos sido boas ostras. Bem intecionados e em busca de esclarecer aqueles que nos cercam, muitos de nós utilizam as redes sociais para discutir, combater ou denunciar atitudes e pessoas que nos parecem inadmissíveis. Ao fazer isso, no entanto, estamos também dizendo para uma parcela considerável da opinião pública que aquela pessoa nos incomoda. Que aquele é o veneno eficaz contra quem pensa como nós. Nós estamos, literalmente, entregando a arma na mão do assassino. E como uma ostra que começa a revestir um grão de areia com nácar até que ele vire uma pérola, em pouco tempo transformamos o que era apenas um corpo estranho ou um parasita numa joia para ser coletada por quem souber fazer melhor uso do seu valor. Sejamos ostras melhores. Não agreguemos valor a parasitas. Não dizer o nome de um candidato depois que ele foi consagrado é apenas tapar os olhos para não ver a cena assustadora — que vai acontecer do mesmo jeito. É preciso fazer com que a cena sequer aconteça. É preciso ostracizar a ignorância. E lembrar que razão em fogueira de tolo, é lenha.
  2. Deixamos que nossa causa fosse sequestrada: direitos humanos não deveriam ser assunto político. São, como o nome diz, assunto humano. É claro que a esquerda, geral e historicamente, tem se destacado mais do que a direita no apoio a causas como a igualdade de direitos das mulheres, LGBTQ+, povos indígenas, negros e outros grupos minorizados. Porém, isso não é uma exclusividade e jamais deveríamos ter deixado que a esquerda sequestrasse essa causa e se tornasse “detentora” dela. Vários amigos me dizem que “gay de direita” é um absurdo. É claro que a situação torna essa afirmação quase lógica, mas em condições normais, gay de direita deveria existir sim, e muitos. Porque seja num estado mínimo ou no welfare state, seja numa economia de mercado ou numa de estado, os direitos humanos devem ser igualmente respeitados. Independente da forma como um partido ou corrente realiza a gestão da coisa pública, o seu fim deve ser (e de acordo com a unanimidade dos discursos políticos, sempre é) o bem estar das pessoas. E para que isso seja uma verdade para todos, é preciso garantir que a defesa de direitos iguais esteja presente ao longo de todo o espectro político. Tem que ter gay/mulher/negro de direita, de centro, de esquerda. Não só porque é o lógico, mas também porque isso evita que em casos de polarização, como o que vivemos agora, a nossa causa — e em certa instância nossas vidas — passem a ser associadas a uma orientação política. Grande parte do ódio direcionado a nós nesse momento tem muito menos a ver com quem somos do que com o espectro político que, muitas vezes por falta de escolha, representamos. O apoio da esquerda fez com que nos tornássemos indiretamente seus militantes, que “déssemos corda” apenas de um lado do relógio. E o preço que pagamos por isso foi que, ao deixarmos que nossa causa fosse sequestrada, também permitimos que ela se tornasse refém. Os direitos das pessoas jamais deveriam depender de resultados eleitorais e parte dessa conta é nossa.
  3. Pregamos para convertidos: Ideias que encontram ressonância parecem melhores. É dos que concordam conosco que tiramos a força necessária para transformar ideias em ações e engrandecê-las com as sugestões e opiniões ouvidas. Porém, quando privamos essa ideia do confronto ou não a preparamos para ser agente de mudança, ela acaba se ostracizando, fechada em si mesma. Precisamos começar a “pensar com a cabeça do outro”, entender o que importa pra ele e usar nossas ideias para mudar esses hábitos. Não é o caminho mais fácil — e talvez por isso ele seja tão pouco frequentado — mas é o único caminho se a ideia for avançar com a mudança. Significará fazer concessões. Significará encontrar pontos de interesse em comum entre nós e aqueles que nos combatem. Significará estar aberto a ouvir, antes de falar. E significará, por fim, caso consigamos nos conectar com essas pessoas, ter a oportunidade de mudá-las. É como já tem acontecido em alguns ambientes corporativos mas pode ser levado para toda a socieadade se assim quisermos e para isso trabalharmos. Mais uma vez, este processo se torna quase impossível numa situação polarizada ou radical como a de agora, mas o quanto podemos evitar situações assim se atuarmos, desde o começo, como agentes de mudança, mais do que como um grupo apartado? O diálogo é sempre mais produtivo que o confronto.

Mais do que nunca, somos líderes. Ninguém além de nós pode mudar o rumo da história que, ao fim e ao cabo, é a nossa. É claro, precisamos de aliados e toda ajuda é bem vinda. Mas frente ao nosso maior desafio, conhecer nossos erros e combatê-los parece ser um pequeno primeiro passo para virar a maré ao nosso favor. Vamos juntos?

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Dimas T. de Lorena Filho
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Written by Dimas T. de Lorena Filho

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